A rotina clínica para o diagnóstico da maior parte das doenças envolve a suspeita e a confirmação através de exames laboratoriais ou de imagem, porém, se a obediência desse padrão investigativo não define a patologia a ser tratada, estaremos diante de uma enfermidade que será caracterizada por queixas e observações.
A fibromialgia é exemplo emblemático desta eventualidade na prática médica, na qual as dores difusas por todo o corpo, abrangendo primordialmente o aparelho musculoesquelético, ainda não é confirmada por nenhum exame específico.
Por não haver processo inflamatório nas articulações, ossos ou músculos, não ocorre sofrimento destas estruturas para sensibilizar os microterminais nervosos de dor espalhados milimetricamente, contexto que impõe deduzir a existência de comprometimento no processamento cerebral, com superdimensionamento das informações provenientes destes terminais nervosos.
Este transtorno interpretativo da sensibilidade parece estender-se para outros órgãos, pois, é frequente a sintomatologia simultânea de síndrome do intestino irritável e/ou cistite intersticial, com aumento substancial na frequência de evacuações e/ou micções.
A coexistência de depressão em 50% dos portadores de fibromialgia sugere conexão entre os centros processadores de dor e as áreas cerebrais alinhadas ao comportamento emotivo.
Dores principiadas em algum setor periarticular, ou generalizadas em sua apresentação inicial, com duração de mais de três meses, são bastante sugestivas desta doença que afeta 2,5% da população mundial, com 70 a 90% deste universo sendo composto por mulheres, diagnosticadas mais comumente entre os 30 e 50 anos de idade.
A sensação dolorosa permanente, sensibilidade exacerbada dos músculos, de cápsulas articulares e áreas ao redor de tendões, assim como a rigidez muscular e fadiga, são as prováveis razões para a dificuldade de concentração, adversidades do sono e eventual confusão mental.
Se não possuímos recursos laboratoriais para confirmá-la, temos como afastar patologias capazes de proporcionar quadro semelhante, tais quais outras reumatopatias, particularmente artrite reumatoide e Síndrome da Fadiga Crônica.
As causas deflagradoras desta falha central, que distorce e amplifica a sensibilidade periférica, podem advir de vários horizontes e entre tantos estão os traumas físicos ou emocionais, compostos químicos inalados ou ingeridos, infecções e inúmeras outras doenças, condições que agiriam como gatilhos em perfis genéticos suscetíveis.
A prática de exercícios físicos é atitude indispensável na condução desta doença, mas tal conduta está distante de solucionar a extrema perturbação da qualidade de vida de seus portadores, os quais devem ser preferencialmente acompanhados por reumatologista, profissional capaz de orientar e prescrever os fármacos mais condizentes com essa grave condição.
Antonio Carlos do Nascimento é doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade de Endocrinologia e Metabologia.
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