Em nota técnica na 21ª Carta de Conjuntura da USCS
(Universidade Municipal de São Caetano), refletimos sobre alguns dos desafios enfrentados pelas mulheres, em seu cotidiano de trabalho, tendo como base a atual configuração do ambiente profissional em que, devido aos avanços tecnológicos, estão presentes, com formas cada vez mais sofisticadas, mecanismos de controle, ou autocontrole, que visam garantir o desempenho individual o que contribuiu para o aumento dos problemas de saúde, sobretudo do ponto de vista psicológico. Neste artigo uma síntese da nota, cuja íntegra pode ser acessada em htps:/ww.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.
O sociólogo Domenico De Masi analisa o trabalho, na Era Industrial, como um trabalho rotineiro e com pouco espaço para o ócio e a criatividade. Para o autor, o avanço tecnológico e a consequente diminuição de determinadas etapas no processo produtivo trariam, na Era Digital, maior tempo livre no trabalho, permitindo espaço para a criatividade, o que De Masi chamou de 'ócio criativo'. Em que medida essa ideia se concretizou?
Embora a 'promessa' por mais tempo disponível, decorrente dos avanços tecnológicos, e por conseguinte diminuição no tempo gasto em cada tarefa, isso não tem acontecido na prática. Na Modernidade, o tempo passou a ser dinheiro, e o tempo de trabalho significa maior ou menor lucro. Então, o que temos vivenciado, em grande parte das atividades laborais, é a utilização da tecnologia para aperfeiçoar os mecanismos de controle do tempo de trabalho.
Como o tema, aqui, são os mecanismos de controle e vigilância, aperfeiçoados a partir da tecnologia, digamos que no atual estágio alcançamos o que o filósofo coreano Byung Chul Han chama de 'sociedade do desempenho'. Com a possibilidade de gestores e dos trabalhadores(as), de forma cada vez mais imediata, avaliarem o resultado da produção, mercadorias ou serviços, o que acontece é que o trabalhador(a) é 'empurrado' a exercer uma implacável cobrança (ou autocobrança) sobre suas próprias metas.
As trabalhadoras na sociedade ‘uberizada’
As premissas essenciais dos modos de produção capitalista alienação e exploração podem se acentuar ainda mais pelas plataformas digitais. A uberização da economia, por meio de formatos muitas vezes imperceptíveis, pode conseguir o controle do tempo do trabalhador(a) em proporções ainda maiores. Às mulheres, é alardeado que a flexibilização do trabalho (jornada com tempo parcial, banco de horas, turnos de revezamento) é uma 'oportunidade' de conciliar a jornada de trabalho e os afazeres domésticos. Esse argumento ganhou reforço nesse tempo de pandemia, da Covid-19, em que os sistemas teletrabalho e home office foram amplamente utilizados.
A pandemia trouxe ainda mais precarização para o universo feminino, sobretudo para as trabalhadoras negras. Muitas perderam seus empregos formais (protegidos) e passaram a fazer bicos ou a trabalhar em sistemas 'uberizados'. Enquanto buscam cumprir as metas, impostas por sistemas que avaliam de forma imediata a quantidade e a qualidade da produção, as mulheres passam a acumular ainda mais tarefas trabalho doméstico, reprodutivo, economia do cuidado. Dessa forma, encolhe a perspectiva de tempo livre e de uma vida com qualidade.
Considerações finais
Estudos sobre gênero e plataformas digitais têm se ampliado. O alto nível de desemprego no País 13,5 milhões de desempregados em novembro de 2021 (IBGE) associado à ascensão das plataformas digitais como alternativa imediata de renda e o crescimento da uberização representa, como comenta Ludmila Costhek Abílio, ao mesmo tempo, uma opção e um risco para as mulheres. Isso ocorre por esse tipo de trabalho estar frequentemente ligado a jornadas diárias exaustivas, ao controle exacerbado por parte das empresas e à ausência de qualquer tipo de garantia ou direito trabalhistas, situações inerentes à sociedade do desempenho e que a levam à sociedade do cansaço.
Neste contexto, experiências de produção 'não capitalistas' acontecendo a partir da economia feminista, precisam ser melhor analisadas. Um exemplo é o MatchImpulsa, um centro transversalmente feminista de programas para a plataforma digital da ESS (Economia Social e Solidária) e Economia Colaborativa. Outro projeto relevante é o DisCOs, que propaga os princípios do cooperativismo na economia feminista para DAOs (Organizações Autônomas Descentralizadas).
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